«Anarquia e a Questão Sexual» | Emma Goldman


Autor: Emma Goldman
Data: 1896
Tradução: Lea
Fonte: https://theanarchistlibrary.org/library/emma-goldman-anarchy-and-the-sex-question
Notas: Publicado em The Alarm no dia 27 de Setembro de 1896, pág 3. Reimpresso por “New York World.”

Anarquia e a Questão Sexual

O homem trabalhador cuja força e músculos são admirados pelos pálidos e débeis filhos dos ricos, cujo ardor laboral é insuficiente para afugentar o lobo esfomeado da porta – casa apenas para ter uma mulher e dona de casa, que terá de ser escrava de manhã à noite, que terá que fazer todos os possíveis para limitar as despesas. Tão enervada e cansada pelo contínuo esforço de fazer com que os miseráveis salários do seu marido sustentem ambos, o seu estado mental deteriora, revelando a sua insatisfação com a carência de afeto pelo seu soberano e mestre que, aliás, chega à conclusão que as suas esperanças e planos se perderam, começando a pensar que o casamento é um fracasso.

Os Pesados Grilhões

As despesas aumentam em vez de diminuírem e a mulher, que já terá perdido a pequena força que lhe restava no casamento, sente-se traída. O constante receio e pavor perante a ameaça de morrer à fome consume a sua beleza num curto espaço de tempo. Desencorajada, negligencia as suas tarefas domésticas. Uma vez não havendo qualquer amor e empatia entre si e o seu marido que pudesse servir de pilar face à miséria e pobreza das suas vidas, tornam-se distantes e impacientes com os defeitos um do outro.

O homem não pode, tal como o milionário, visitar o seu club – neste caso afoga a sua miséria num fundo de uma garrafa de cerveja ou whiskey. A infortunada parceira da sua miséria que é demasiado honesta para procurar o esquecimento nos braços de um amante e que é demasiado pobre para procurar algum divertimento, fica presa dentro das miseráveis paredes a que chama de casa.

E mesmo perante esta infelicidade não se poderão separar.

Mas Terão Que Carregá-lo

Não obstante o peso dos grilhões que a igreja e a lei impuseram à volta dos seus pescoços, estes só serão quebrados quando as duas pessoas na união o consentirem.

Se a lei for misericordiosa o suficiente para conceder a liberdade, todos os detalhes das suas vidas privadas serão arrastados para o holofote público. A mulher será condenada pela opinião pública e a sua vida será arruinada. O medo desta desonra muitas vezes causa-lhe esgotamentos sob o peso do matrimónio, não permitindo que se junte a um protesto contra o sistema revoltante que injuria muitas das suas irmãs.

Os ricos suportam-no para evitar escândalos – os pobres por causa dos seus filhos e pelo medo da opinião pública. As suas vidas são uma contínua hipocrisia e fraude.

A mulher que vende favores tem a liberdade de se separar do homem que os comprou a qualquer momento, enquanto que a “mulher honesta” não pode libertar-se da união que a atormenta.

Todas as uniões sem amor são coação, seja esta autorizada pela igreja ou pela sociedade – uma influência degradável para a moral e a saúde da sociedade.

O Sistema é o Culpado

O sistema que força a mulher a vender a sua condição feminina e independência ao mais alto licitador é o mesmo braço do sistema perverso que dá o direito a alguns de viver com a riqueza produzida pelos trabalhadores. Trabalhadores estes que são 99% – escravizados de manhã à noite, recebendo em troca algo que não os permite viver, sacrificando o seu corpo e mente enquanto os frutos do seu trabalho são absorvidos pelos ociosos vampiros que se rodeiam com todos os luxos.

Olhem por momentos para este dois cenários da sociedade do século XIX.

Olhem para as casas dos ricos, palácios magníficos cuja mobília poderia pôr milhares de pessoas carenciadas a viver em melhores condições. Olhem para os grandes banquetes destes filhos e filhas da riqueza que alimentariam centenas de pessoas esfomeadas, cujo pão é um luxo. Olhem para os seguidores da moda que passam o resto dos seus dias criando formas egoístas de divertimento – Peças de teatro, bailes, concertos, iates, navegando de uma parte do globo a outra, procurando divertimento e prazer. Olhando para o outro lado no entanto vemos aqueles que produziram toda a riqueza pagando estes excessivos modos de vida.

O Outro Lado

Olhai para eles, uma multidão na escuridão em caves húmidas onde nem o ar fresco passa, vestidos com trapos e farrapos, carregando a sua miséria desde o seu nascimento à sepultura. Os seus filhos correndo pelas ruas descalços e esfomeados sem que alguém lhes dê um pingo de amor ou atenção, crescendo em ignorância e superstição, amaldiçoando o dia em que nasceram.

Olhem para estes dois contrastes, moralistas e filantropos! Digam-me quem carrega a culpa! Quem é obrigado a prostituir-se, legalmente ou não, ou aqueles que forçam as suas vítimas a tal?

A causa não está na prostituição, mas sim na sociedade; no sistema desigual da propriedade privada, no Estado e na Igreja. No sistema que legaliza furtos, assassinatos e violação contra mulheres e crianças inocentes.

O Remédio

Apenas quando este monstro for derrotado nos livraremos do mal que existe no Governo e em todos os órgãos políticos; nas casas dos ricos bem como nas barracas dos mais pobres. A humanidade terá de consciencializar-se das suas forças e capacidades e tornar-se livre, vivendo uma vida melhor e mais nobre.

A prostituição não será suprimida por leis como as do Rev. Dr. Parkhurst ou outros reformistas – existirá enquanto o sistema atual existir.

Quando todos os reformistas se unirem com aqueles que desejam a abolição do sistema atual, o qual é culpado por crimes de todas as descrições – e criarem um sistema de perfeita igualdade – um sistema que garante a todos os seus membros, homens, mulheres e crianças, os frutos do seu trabalho e um igual direito a desfrutar dos presentes deste mundo e da educação, só então a mulher será independente. Livre da infinita fadiga e escravidão, não será mais nenhuma vítima. O homem por sua vez será livre de hábitos e vícios doentios.

O Sonho Anarquista

Cada indivíduo entrará no matrimónio confiando, amando e estimando-se um ao outro. Ajudar-se-ão mutuamente não apenas pelo seu próprio bem-estar mas também pela sua felicidade individual – desejarão a felicidade universal da humanidade. A descendência destas uniões serão fortes, firmes e saudáveis na mente e no corpo, e honrarão e respeitarão os seus pais, não por ser o seu dever mas porque os pais assim o merecem.

Serão educados e cuidados por toda a comunidade. Serão livres de seguir os seus gostos. Não haverá necessidade de os educar em como bajular os outros e aproveitar-se dos seus semelhantes. Tencionarão em vida respeitar e estimar cada membro da comunidade e nunca obter poder sobre os seus irmãos.

O Divórcio Anarquista

Se uma união se mostrar insatisfatória, esta será terminada de maneira pacífica, não continuando uma união incompatível.

Se algum dia, em vez da desmoralização das vítimas, os reformistas se unirem para erradicar a causa, a prostituição não mais desonrará a humanidade.

Suprimir uma classe em prol de outra é insensato. É criminoso. Não desvieis o olhar, homens e mulheres morais.

Não permitais que o preconceito vos influencie: olhai imparcialmente. Em vez de utilizardes a vossa força de maneira desnecessária, uni-vos e colaborai em abolir sistema corrupto e doente.

Se o matrimónio não vos roubou a honra e o respeito próprio, se amais aqueles a quem chamais vossos filhos, por vós assim como por eles, buscai a emancipação e a liberdade. Só após tal os males do matrimónio cessarão.