A pior seca dos últimos 1200 anos.


Ponto de Situação da Seca em Portugal:

8 de Maio 2023:
Declarado estado de seca severa e extrema em 40% do território português

“O rio Sado está morto, sem água e não a temos para dar aos animais”

“Em 2023, a seca chegou mais cedo e os seus efeitos antecipam um cenário dramático para os próximos meses, com falta de água e alimentos para os animais. Pastos, pastagens e searas secaram.”

“Penitência diz a Hidra, quando há seca”

Em 2022, estamos a atravessar em Portugal um episódio extremo. A maior parte do território está em seca severa ou extrema. As noticias que têm circulado desde o início do ano têm apontado para uma situação de crise eminente. As ‘autoridades’ admitem ser a pior situação de seca hidrológica dos últimos cem anos.

O índice PDSI (Palmer Drought Severity Index), foi desenvolvido por Palmer (1965) e implementado e calibrado para Portugal Continental (Pires, 2003). Este índice baseia-se no conceito do balanço da água tendo em conta dados da quantidade de precipitação, temperatura do ar e capacidade de água disponível no solo e permite detetar a ocorrência de períodos de seca classificando-os em termos de intensidade (fraca, moderada, severa e extrema).

Durante a conferência dos Oceanos, o novo ministro do ambiente, Duarte Cordeiro, afirmou que ” em Portugal a seca é um fenómeno estrutural”.

Fonte: IPMA

Este artigo é um trabalho em progresso e atualização impermanente desde 2022.

Portugal e Espanha atravessaram o ano passado a pior seca dos últimos 1200 anos, noticiava o The Guardian, depois de uma invstigação publicada na Nature, que liga a seca na ibéria aos ventos altos açorianos que bloqueiam a queda de chuva (e até os ligam às cheias de verão na India.) Tudo isto derivado do aquecimento antropogénico.

Dois terços da Europa estão em seca, naquela que é provavelmente a pior seca dos últimos 500 anos no continente Europei. Em Portugal, é a pior seca desde que há registo.

O fenómeno da Seca é uma ocorrência chamada “natural”, essencialmente devido à falta de precipitação, mas também devido à falta de água nos solos… É o desastre natural mais complexo e que afeta mais pessoas.

Alterações Climáticas: Florestas, Oceanos e o ciclo de Carbono

O fenómeno das alterações climáticas está ligado à emissão de gases com efeito de estufa para a atmosfera. Estes gases, e principalmente o CO2 , são o resultado de um modelo industrial que retira o carbono do solo e o emite depois para a atmosfera, na forma de carbono morto. A quebra dos ciclos naturais de carbono é o principal causador dos eventos climáticos extremos, como as secas, as cheias, os furacões, temperaturas inadequadas às estações, precipitação anormal, etc.

Naturalmente, o carbono é armazenado nos solos, e no fundo dos oceanos, na forma de carbono vivo, que as árvores e o plâncton (o fitoplâncton produz metade do oxigénio do planeta pela fotosíntese *) absorvem em largas quantidades e transformam em oxigénio. O carbono não está apenas debaixo do solo. A celulose nas plantas é principalmente carbono, o húmus no solo é principalmente carbono e a vegetação das florestas é principalmente carbono. É carbono vivo, parte do ciclo da vida. *

O aquecimento global, que é possível observar desde o início da Revolução Industrial, é causado pelo aumento de gases com efeito de estufa na atmosfera, decorrentes da atividade humana desde a Grande Aceleração. A Grande Aceleração é o aumento dramático, contínuo e simultâneo de um grande número de medidas da atividade humana desde os anos 50 do século XX. A Grande Aceleração surge nos gráficos como uma dramática curva ascendente a partir deste momento.

A Grande Aceleração – Gráficos: Future Earth

Depois da explosão da primeira bomba atómica em 1948, entramos numa nova era. Este momento marca o início de uma nova era geológica que inúmeros cientistas propõem chamar de Antropoceno. Outros nomes são propostos, como o plantacionoceno (“a era da plantação”) a título de exemplo, por Donna Haraway e Anna Tsing.

Também está a decorrer a sexta extinção em massa, com declínios drásticos nas populações de quase todas as espécies do planeta excetuando os humanos, e algumas outras espécies ferais. Não há maneira de entrar nestes tópicos a fundo aqui, mas por exemplo, a perda da chamada megafauna, os grandes animais, é um problema imenso para os ecossistemas, visto que estes regulavam plantas e outras espécies, fosse pelo derrube de árvores, a predação de outros animais ou comerem ervas e plantas, ajudavam a regular os ecossistemas. Sem a megafauna, as florestas deixam de ter elementos de regulação essenciais. Toda a vida está interconectada, seja por cadeias tróficas ou de apoio mútuo, a vida é composta de trocas simbióticas e a evolução faz-se em conjunto. Ao perdermos as abelhas, rapidamente vamos perder também as flores.

Esta nova era é marcada pela desflorestação em massa, a extração de carbono fóssil para servir de combustível e a poluição dos oceanos, aumento nos níveis produção industrial, mineração, exploração de recursos e agricultura industrial, com as consequências trágicas que isso implica na perda de biodiversidade terrestre, na morte das árvores e dos ecossistemas que elas sustentam e das plantas e dos seres marinhos (incluíndo o plâncton),

As primeiras florestas conhecidas surgiram no planeta há cerca de 380 milhões de anos. As plantas, incialmente aquáticas formaram as primeiras florestas, ao crescerem em altura, projectarem uma sombra debaixo das copas e formarem o solo com as raízes. Quando estas plantas começam a largar as folhas no chão, a sombra, o solo e a mistura das folhas começam a formar matéria orgânica que alterou o ambiente aquático, acalmando o fluxo das águas, promovendo os peixes e oferecendo alimento às espécies nascentes.

As florestas cobrem hoje cerca de 30% da superfície terreste do planeta. No entanto, nos últimos vinte anos, perdemos uma área equivalente à Líbia para a desflorestação. As florestas são essênciais para a vida no planeta. Elas convertem dióxido de carbono em oxigénio e biomassa. Um ser humano respira 9.5 toneladas de ar, 740kg dessas são oxigénio, ao longo de um ano. Uma árvore produz cerca de 100kg de oxigénio num ano. Ou seja, cerca de sete a oito árvores produzem o oxigénio necessário para uma pessoa respirar num ano. * Além de produzirem oxigénio, as florestas afundam o carbono no solo, onde ele toma a forma de carbono vivo. As florestas também regulam o clima. Elas são capazes de produzir chuva. Se a floresta for cortada, estamos a caminho da seca e da desertificação. As florestas purificam a água, mitigam cheias e desastres naturais. São reservas genéticas e protegem inúmeras espécies de seres vivos, que as habitam e protegem de volta. Além disso, milhões de pessoas dependem das florestas como forma de subsistência. A gestão adequada e proteção das florestas é essencial para a sobrevivência de todas as espécies, e o descuido e desflorestação para abrir espaço a empreendimentos industriais e financeiros, tem sido causa de inúmeras doenças, morte generalizada, catástrofes climáticas, vírus mortais, deslocamentos em massa de populações e extinções em massa.

Portugal emitiu 50.142.844 toneladas de CO2 fósseis em 2016. 34% da indústria energética, 31% do transporte, 17% de combustão industrial, 8.6% de edifícios e 8.3% não foram de combustão. Ou seja, há 3 problemas principais: A indústria da energia, os automóveis e as indústrias agrícolas.

A Seca pode ter impactos substânciais nos ecossistemas e na agricultura. O fenómeno está também associado aos fogos florestais. A seca é um fenómeno recorrente no clima em todo o mundo. Mas as secas regulares tornaram-se mais extremas e imprevisíveis com as alterações climáticas. Os fenómenos de seca afetada pelas alterações climáticas remontam a 1900.

Por exemplo, na Somália, desde os anos 90 houve 12 episódios de seca ( e 19 cheias ). A seca que a Somália atravessou entre 2010-12 matou mais de 250 000 pessoas. Uma das piores secas em 60 anos, atingiu Somália, Djibouti, Kenia, Uganda e Etiópia. Este episódio de seca severa, no qual durante 3 anos praticamente não choveu na região, levou ao falhanço das colheitas e à morte generalizada de animais. Como resultado, os preços dos cereais multiplicaram. Este fenómeno climático extremo, misturado com a atividade de grupos armados e a incapacidade de resposta de outras nações para auxiliar a região levaram à morte de centenas de milhares de pessoas, à fome generalizada e à fuga de 12 milhões de pessoas em busca de alimento e água. A região tem sido afetada continuamente nos últimos 40 anos por eventos climáticos extremos.

Os efeitos ambientais da seca incluem a seca de zonas húmidas, incêndios florestais cada vez maiores e a perda de biodiversidade. Economicamente, as colheitas são afetadas, os preços dos alimentos aumentam. Socialmente, há um impacto negativo na saúde das pessoas, além de despoletar migrações em massa e crises humanitárias.

Incêndios: A Fénix portuguesa

As florestas:

A guerras contra os eucaliptos (depois do pinheiro salazarista)

Portugal tem 35% da área territorial coberta por florestas. 97% é terra privada. Mais de 30% das florestas estão ocupadas por eucaliptos.

Os incêndios florestais em Portugal são numerosos. São as catástrofes naturais mais graves em Portugal. Mais de duzentas pessoas morreram desde o ano 2000 em incêndios. Mais de 17 mil pessoas perderam as casas em incêndios. Os incêndios e a seca são um ouroboros, o animal mítico com a cauda na boca. Tanto a causa da seca agravada são os incêndios como a seca causa mais incêndios. A in-gestão da floresta é o principal problema, e a produção de papel, pelas indústrias da celulose, a principal causa desta má gestão, em tempos democráticos, que vêm substituir os anteriores planos Salazaristas de plantação de pinheiro em-todo-o-lado (Quando os Lobos Uivam de Aquilino Ribeiro é um livro-memória de referência).

O estudo do impacto do eucaliptal em Portugal é necessário e urgente. As empresas de Celulose espalham desinformação há décadas sobre o verdadeiro impacto do eucaliptal: a seca. O eucalipto esgota a água.

Em 2019 a TSF lançava um artigo sobre as “Guerras ao Eucalipto”: “As terras ainda fumegavam e os autarcas já eram assediados pelas empresas de celulose para os terrenos serem alugados ou comprados para plantação de eucalipto.” Serafim Riem da Fapas dizia à TSF que as empresas de eucalipto, conhecidas como Celulosas criaram “um Estado dentro do Estado”.

Nos anos 80 a RTP reportava as guerras dos eucaliptos, em Manhoncelos e em veiga da Lila, Valpaços que lutou contra a plantação dos eucaliptos.

Oliveiras sim, Eucaliptos Não

“Em 31 de março de 1989, a rebate do sino, 800 pessoas juntaram-se em Veiga do Lila e protagonizaram um dos maiores protestos ambientais que alguma vez aconteceram em Portugal, destruindo 200 hectares de eucalipto que uma empresa de celulose andava a plantar na quinta do Ermeiro, a maior propriedade agrícola da região.” *

“Arrancar aquilo que nos está a prejudicar” diziam as populares, que em 1989 se juntaram em Veiga da Lila. Mais de mil pessoas participaram nas ações diretas contra a propriedade para proceder ao arranque dos eucaliptos. Os soldados da GNR tentaram impedir a população de avançar, mas foram surpreendidos pela força popular. A GNR de Valpaços disparou tiros contra agricultorxs em protesto. O governo batia-se contra ecologistas, ativistas da Quercus e jornalistas dizendo que eram conspiradores comunistas.

A 31 de março de 1989 o povo de Valpaços invadiu uma quinta no vale do Lila para arrancar os 200 hectares de eucalipto que a Soporcel tinha plantado na região. A população de veiga da Lila arrancou 200 hectares de eucaliptos, e venceu, até hoje.

Uma peça jornalistica da Notícias Magazine conta várias histórias orais dos habitantes de Veiga da Lila.

«Estava tão convicta que não sentia medo nenhum. Naquele dia ninguém sentia medo nenhum. Eles atiravam tiros para o ar e parecia que tínhamos uma força qualquer a fazer-nos avançar.»

Maria João, sobre os protestos no Vale da Lila à Noticias Magazine

“A ação fora concertada entre sete ou oito povoações de um escondidíssimo vale transmontano, e depois juntaram-se ecologistas do Porto e de Bragança à causa.

Às duas da tarde o sino começou a tocar a rebate. Oito centenas de vozes entoavam «oliveiras sim, eucaliptos não» e largaram por um caminho de terra batida para a quinta do Ermeiro.

Numa tarde de domingo, largaram todos para destruir os 200 hectares de eucalipto que uma empresa de celulose andava a plantar na quinta do Ermeiro, a maior propiedade agrícola da região. À sua espera tinham a GNR, duas centenas de agentes. Formavam uma primeira barreira com o objetivo de impedir o povo de arrancar os pés das árvores, mas eram poucos para uma revolta tão grande.

António Morais, Natália Esteves, João Sousa e mais uma dezena de organizadores do protesto também seriam chamados à barra da justiça, um ano depois enfrentaram acusação de invasão de propriedade privada e foram condenados com pena suspensa.

«Ainda vieram uns engenheiros da Soporcel dizer que retirariam a queixa se nos comprometêssemos a não destruir uma nova plantação de eucalipto. Disse-lhes que nem pensar, aqui nunca teríamos árvores dessas no nosso vale.

Nas noites seguintes arrancou-se à socapa quase tudo o que faltava, ficaram apenas meia dúzia de hectares a rodear o casario da quinta, mais passível de vigia. A Soporcel acabaria por desistir e vender a propriedade e a família que a comprou, quando ousou confessar a Natália Esteves que pensavam plantar eucaliptos, foram logo avisados: «Se os botais nós os arrancamos.

Hoje, o Ermeiro é terra de nogueiras e amendoeiras, oliveiras e pinho. Nunca ardeu. Serafim Riem, o ambientalista da Quercus, diz que até hoje a guerra do povo de Valpaços é um marco, a maior ligação jamais vista no país entre o mundo rural e o ativismo ecológico.

Naquele 31 de março de 1989, o povo uniu-se e, diz agora, salvou-se. «Nós é que tínhamos razão», repetem uma e outra vez, repetem todos. Às seis da tarde, depois de José Oliveira ser libertado, um vale inteiro voltou pelo mesmo caminho e juntou-se no principal largo de Veiga do Lila. Mataram-se dois borregos e um leitão, abriram-se presuntos e deitaram-se alheiras à brasa, houve até quem trouxesse uma pipa de vinho. A festa durou noite dentro e foi maior do que qualquer romaria de Santa Bárbara.

À volta da fogueira acabariam por juntar-se também os guardas que horas antes defendiam o Ermeiro. E ali ficaram a comer e beber, vencedores e vencidos, que em Trás-os-Montes nunca se nega hospitalidade. Maria João Sousa nunca tinha visto uma coisa daquelas, nem nunca voltaria a vê-la na sua terra. Foi o 25 de Abril da sua gente. «Há lá coisa mais bonita do que uma revolução.»

(Notícias Magazine)

A publicação, “A silvopastoricia na prevenção dos fogos rurais“, resultante do colóquio com esse nome, na Estação Agronómica Nacional em Oeiras, refere que “a pastorícia, juntamente com o roçar dos matos e respetivo uso para fazer camas de gado, constituía o método ancestral mais usado em Portugal” de prevenção contra incêndios florestais e que com a sua caída em desuso, não surgiu nenhum método alternativo. As condições climáticas do território, com verões quentes e secos e invernos húmidos e de temperaturas favoráveis ao crescimento de biomassa, levam a que o riso de incêndios seja muito elevado. “Os incêndios florestais ou rurais resultam do elevado número de ignições e da acumulação da vegetação (combustível).”

Há em média 30 000 ignições por ano. Grande parte das ignições resultam de fogo posto ou de “negligência” (com valores mais ou menos iguais) de acordo com as investigações das “autoridades”. Apenas 1% dos fogos têm mais de 1 000 hectares, mas estas são responsáveis por 93% da área ardida. Estas ignições ocorrem em espaços florestais, agrícolas e matagais não geridos, e não sendo imediatamente extintos, não é possível combater estes incêndios. Nos locais onde se verifica a recorrência dos incêndios, esta parece surgir da queima de vegetação, como prátca cultural para alimentação de gado, embora não esteja estudada a fundo esta relação.

É muito difícil de combater os grandes incêndios. Para reduzir a área ardida, além das campanhas de sensibilização e educação, e vigilância dos espaços, é necessário de acordo com os autores da publicação, “transformar os espaços florestais contíguos numa paisagem constituída por mosaicos com diferentes ocupações, promovendo a descontinuidade das manchas”. A paisagem deve ser preparada e planeada previamente.

O aumento da ocorrência de incêndios justifica-se pelo abandono da atividade agrícola. Nas regiões onde se praticava a pecuária extensiva, a flora arbustiva era controlada para aumentar a produtividade das pastagens e da produção animal. Como efeito secundário, o combustível para incêndios era diminuído.

Mas isto não é tudo. Ao dizermos que a atividade agrícola ajuda a regular a floresta, não podemos esquecer que a floresta se autoregulava também antes da chegada dos agricultores, muito devido à atividade da megafauna. Seria importante procurar uma abordagem que tentasse equilibrar a agrosilvicultura tradicionais e a pastoricia, com a reintrodução de megafauna nos ecossistemas, mas este é um trabalho em progresso, que necessitará um grande esforço de conservação. Ainda assim, restaurar as cadeias tróficas, ao promover a megafauna, até em zonas populacionais, tem o potencial de renerar ecossistemas. * É provávelmente por isso que a paisagem do Barroso é tão bela e apetecível.

Março 2021 – Fevereiro 2022 – Barragem do Alto Rabagão – Fonte: NASA

Quo vadis, água???

De acordo com a APA nos últimos 20 anos a precipitação em Portugal e Espanha diminuiu cerca de 15%, prevendo-se que diminua entre 10 a 25% até ao final do século. Nos últimos 20 anos a disponibilidade de água reduziu-se cerca de 20%.

São atualmente captados em Portugal cerca 6000 hm3/ano de água, excluindo os volumes utilizados nos aproveitamentos hidroeléctricos. A agricultura é responsável por 70% deste volume, seguindo-se o abastecimento à população (13%), a termoeletricidade (9%) e a indústria (6%).

Barragens e Agricultura Intensiva: Um sistema insustentável

Em Portugal existem atualmente 260 grandes barragens. A construção de barragens é habitualmente proposta como uma solução para a seca e falta de chuva. No entanto, o que está realmente a acontecer é que a água que está a ser capturada para irrigação não está necessáriamente a ser usada para ajudar os agricultores locais a sobreviver durante as secas. Está a ser usada para intensificar um certo tipo de agricultura.

A agricultura intensiva, ou convencional são os sistemas de agricultura dominantes do século XX. Tinham em vista a satisfação das necessidades alimentares cescentes, à medida que a população mundial crescia exponencialmente e se batia em conflitos constantes. * A chamada “revolução verde” originou grandes problemas ambientais e “exaustão de recursos como o solo, água, ar e biodiversidade” *. É neste contexto que o projecto agro-industrial do Alqueva é considerado um conceito dos anos cinquenta *.

A Barragem de Alqueva ( do árabe al-qewê, «terra deserta» ) é uma barragem situada no rio Guadiana, na região do Alentejo. A construção desta barragem permitiu a criação do maior reservatório artificial de água na Europa Ocidental. Mobilizou cerca de 5 mil milhões de euros (de acordo com a wikipédia). Nos anos 50, o regime fascista encomendou um estudo de projecto, e finalmente em 2002 a região foi inundada. É um projecto faraónico, sonhado durante 50 anos, com 250 kilómetros quadrados de extensão e largura. Tudo começou durante os anos 50, quando António Oliveira de Salazar ordenou um estudo de projecto. Os benefícios potênciais da barragem foram debatidos por décadas. Em 1978, depois de uma breve tentativa após a revolução, o projecto é abandonado. Já durante o tempo que ficou conhecido como o “Cavaquistão”, sob as mãos de Aníbal Cavaco Silva e António Guterres, nos anos 90 o governo adotou uma postura ‘firme’ de avançar com a Barragem.

Passados 20 anos da inundação, a região de Beja mudou de face. “Salvação”, “Revolução Agrícola” são as expressões usadas por quem dela beneficiou. O Alentejo é uma das regioões mais pobres em Portugal. O Alqueva nasceu com o propósito de promover o regadio intensivo, e em segundo plano, a produção elétrica e uma reserva estratégica de água, diz João Joanaz de Melo em “Alqueva: alegrias e frustrações da mais emblemática obra pública portuguesa do séc. XX” *

Vivemos num paradigma sutentado numa visão mecanística e redutora do mundo e uma cultura consumista, que propõe duas abordagens dominantes: a abordagem ao negócio global, especialmente das corporações que têm promovido e economia dos combustíveis fósseis, e a abordagem daqueles que procuram alternativas renováveis para apoiar uma sociedade consumista sustentada num uso intensivo de energia, como explica Vandana Shiva. Portugal situa-se neste segundo plano.

A sustentabilidade e a equidade no acesso à água e a coesão territorial na região do Alentejo estão em risco devido ao aumento da área de agricultura intensiva no Alentejo por contraponto à escassez de água que se vive na região, escreve um grupo de académicos na peça “Sustentabilidade da agricultura no Alentejo em risco“.

A Agricultura é responsável por 75% do consumo de água em Portugal. Mas não todos os tipos de agricultura. A Agricultura Industrial, baseada no uso dos combustíveis fósseis, é a grande gastadora de água. O Alqueva é uma região “estratégica” de Agricultura em Regadio. Antigamente, no Alentejo praticava-se uma agricultura de sequeiro.

O alentejo é um grande produtor de azeite, somando mais de 70% da produção nacional. Para isto, foram plantadas milhões de árvores de Oliveira, transformando radicalmente a paisagem Alentejana. As árvores são plantadas numa densidade de 1.500 por hectare, quando tradicionalmente o valor era inferior a 300. Há hoje mais de 200.000 hectares de plantações intensivas no Baixo Alentejo ( o tamanho de toda a Área Metropolitana do Porto ).

Paisagem alentejana, produção agro-industrial em regadio

Apesar dos gritos de “milagre” que correm em quase todos os media, a barragem e o regadio são processos mais complexos do que parecem. É preciso admitir que a intervenção e alteração do território tem um peso nos ecossistemas, na sociedade, nos seres vivos.

Por exemplo: quando se cria uma barragem, as terras e florestas que ficam submersas começam por largar altas quantidades de gases com efeito de estufa na atmosfera. Populações são deslocadas. O fluxo dos rios é interrompido, alterando os ecossistemas. A agricultura industrial, além de ser uma grande consumidora de combustíveis fósseis, liberta também químicos nocivos para o subsolo e para os ecossistemas, com a resultante contaminação das águas subterrâneas, dos rios, das plantas, dos animais, e das pessoas. Além disso, esta forma de agricultura não garante as necessidades da população. Apesar de ser uma zona agrícola enorme, aliás, Portugal tornou-se no 4º maior exportador de azeite no mundo, e de ser “auto-sustentável” em azeite, o caso é que continua a haver pobreza alimentar no alentejo, e no resto do país. Ou seja, não podemos ficar todos a comer só e exclusivamente azeite e amêndoas!

No Jornal Mapa lia-se em 2014: “O novo Alentejo irrigado pelo Alqueva parece cada vez mais um regresso ao velho Alentejo: o latifundiário, senhor dos olivais intensivos, e o trabalhador rural, imigrante precário e nas malhas da escravatura moderna.”

A página Jornalismo Documental fez uma investigação sobre a vida destes migrantes, que, em Beja, são mais de 28.000. São reportados casos de fome, miséria, escravatura, exploração, tráfico de seres humanos, prostituição… É a infeliz realidade do “milagre” que se vive na região.

“Comunidade Migrante revoltada com a forma como são explorados nos Campos do Sul” ( Imagem: Jornalismo Documental)

“A primeira impressão de Beja e do Alentejo são milhares de pequenas oliveiras alinhadas como soldados. Não são os bonitos prados com flores silvestres, pastores com cabras e ovelhas e os carvalhos cobertos de cortiça que dominam o horizonte. O que é que aconteceu?” conta Helen Chance, no artigo “A outra face do sucesso do Alqueva é um Alentejo envenenado por químicos”, originalmente publicado no “Público”.

Helen Chance resume a situação: “Quando o cheiro chega lançado pelas chaminés das fábricas que libertam gases que não são vigiados e não há lei nenhuma para parar isto. Tentamos observar pássaros. Encontramos muitos pássaros mortos perto das oliveiras, mortos pela maquinaria. Procuramos flores silvestres. Encontramos terra envenenada por glifosato que se confirmou causar cancro em pessoas e que destrói a terra. Decidimos passear até à água. A água está contaminada por fertilizantes, não há abelhas ou insectos porque estes morreram devido aos insecticidas.”

Inúmeras comunidades têm reportado emanações gasosas libertadas pelas fábricas de transformação de bagaço de azeitona. Além do fumo das fábricas que tem causado doenças respiratórias à população, como podemos ver no documentário “Verde que Mancha”, da associação Alentejo Vivo, os fitofármacos (ou petro-químicos), também chamados de biocidas, pesticidas, herbicidas, ou ‘fertilizantes’, são aplicados em zonas habitacionais, perto de escolas e casas, causando danos incontáveis na saúde das populações.

Em 2010 realizou-se na Argentina o Primeiro Encontro Nacional de Médicos de Povos Fumigados, com o fim de gerar um espaço de análise e reflexão académica e científica sobre o estado sanitário dos povos fumigados. Os médicos observaram nestas populações: uma maior quantidade de recém nascidos com malformações congénitas, e muitos mais abortos espontâneos; uma maior deteção de cacros em crianças e adultos, e doenças severas como púrpuras, hepatopatias tóxicas e transtornos neurológicos bem como intoxicação aguda em grande parte da população. O caso da Argentina é repetido em inúmeras zonas do mundo, do Brasil à India, onde se faz a fumigação de biocidas agrícolas junto das populações.

A produção agrícola intensiva, promovida pelas zonas de regadio cercou as aldeias, as casas e as escolas, efetivamente retirando às populações as suas vidas, as suas terras e bem-estar, enchendo a água, o ar e a terra de químicos nocivos, matando a biodiversidade, os animais e as plantas.

“A agricultura intensiva” levou “a um processo seletivo de ecótipos vegetais na procura daqueles que são mais produtivos. Tal conduziu a uma perda de biodiversidade que afeta todo o exossistema, favorecendo processos de degradação. A FAO afirma que no século XX, cerca de 75% da biodiversidade genética do mundo foi perdida.” O projecto de investigação Lucinda – Land Care in Desertification Affected Areas mostrou que o consumo elevado de água, a mecanização e o uso de produtos agro-químicos nas culturas de regadio “encontram-se associados a importantes processos de degradação como a salinização, sobre exploração dos aquíferos, contaminação do solo por pesticidas e fertilizantes, erosão do solo e alterações da paisagem”. Esta degradação inclui uma variedade de “alterações físicas, químicas e biológicas do solo” e à redução da qualidade do solo. Além dos efeitos negativos no solo, aumentam os riscos de desertificação.

"Na área Mediterrânica a erosão hídrica do solo é um dos principais processos de degradação do solo e está muitas vezes relacionada com a agricultura. A mobilização do solo e a remoção do coberto vegetal deixa a superfície do solo descoberta e exposta aos agentes corrosivos (água e vento). O solo recebe menos matéria orgânica, e o húmus mineraliza‐se mais rapidamente, devido aos efeitos da lavoura e das elevadas temperaturas. O uso de maquinaria pesada tende a compactar o solo e a aumentar a escorrência superficial. A mobilização excessiva do solo reduz a rugosidade deste e destrói os agregados que podem assim ser mais facilmente transportados e lavados. A redução e simplificação dos ciclos de cultivo e as rotações de culturas podem também favorecer os processos de erosão. A erosão do solo causa uma constante diminuição do conteúdo em nutrientes, a degradação da estrutura do solo, a redução na profundidade do solo e, por isso, uma diminuta capacidade de retenção da água e nutrientes. O processo leva a um declínio na fertilidade do solo, afectando assim o crescimento e produtividade das plantas."
Lucinda – Land Care in Desertification Affected Areas

Ao longo das últimas décadas verifica-se um claro aumento na susceptibilidade do território à desertificação. Embora os sucessivos governos afirmem que as barragens combatem a desertificação, o contrário é verdade, as barragens e a agricultura de regadio aumentam o stress dos solos, acelerando os processos de erosão e o risco de desertificação.

É problemático que apesar dos riscos de erosão e desertificação, com as alterações climáticas a causarem incêndios cada vez maiores, com a poluição das águas, com os ataques às populações, a perda de qualidade de vida e biodiversidade, o aumento das temperaturas médias, os governos continuem de mãos dadas com o grande capital estrangeiro, e continuem a expandir os seus planos de mineração, construção de barragens e agricultura intensiva, monoculturas de eucaliptos, etc, arriscando a vida dos pobres ainda mais, afundando os territórios e os povos cada vez mais numa catástrofe evitável.

“Isto não é uma transformação da paisagem: isto é uma catástrofe”, diz o fotógrafo José Manuel Rodrigues, ao Gerador, na peça “A Terra paga-me em Vida, eu pago à Terra em Matando”. A peça de Francisco Colaço Pedro dá conta do modelo de desenvolvimento agro-industrial praticado no Alentejo.

Parte desse modelo é a concentração e o roubo de terras. Na Investigação “Os novos donos do Alenjejo”, na revista Sábado de Paulo Barriga, lemos que “70% do território agrícola da região do alqueva mudou de mãos nos últimos anos”. É o novo “megalatifúndio assente em fundos internacionais, com seis grandes grupos a deter ou a gerir mais de 65% dos olivais da região.” Um hectare hoje custa pelo menos 25 mil euros, dentro dos blocos de rega. Também em 1950 os latifúndios ocupavam 73% das terras agrícolas em Portugal.

Agro-Silvo-Pastorícia: O futuro é ancestral!

Montado: um ecossistema artificial e autosustentável

Filas de sobreiros, produtoras de cortiça, perto de Vila Franca de Xira, nos limite de Lisboa. De todas as exportações portuguesas, 22% são cortiça. Camponeses guardam, perto de um sobreiro, uma vara de porcos. Foto: Charles Fenno Jacobs

O montado é um ecossistema criado pelo Homem, que caracteriza o Alentejo. São florestas de azinheiras, sobreiros, carvalhos e castanheiros, com um equilíbrio delicado e que subsistem apenas no Mediterrâneo, na Argélia, em Marrocos e no sul da Península Ibérica. Portugal é o país com a maior extensão de sobreiros do mundo com 33% da área mundial.

O montado é protegido legalmente, sendo proibido o seu abate e incentivada a exploração. Na idade média montar significava servir-se dos montes comuns para pastos, madeira, lenha e caça. *

O sobreiro tem excelentes condições em Portugal. Plantado desde tempos antigos pela sua cortiça, a casca do sobreiro é um produto natural extremamente resistente ao fogo, que protege a árvore dos incêndios. Em Portugal, o montado de sobreiro representa 21% da área floresta, produzindo mais de metade da cortiça consumida em todo o mundo.

O montado desempenha funções importantes na conservação do solo, na qualidade da água e na produção de oxigénio. É um ecossistema rico em biodiversidade, importante para a conservação da natureza. Estão presentes nos montados mais de 120 espécies de avifauna, águias ameaçadas, a cegonha-preta, e o lince-ibérico também percorre os montados, sendo este habitat importante para a sua recuperação.

A árvore de sobreiro pode chegar aos 25 metros e viver 300 anos, servindo sempre as populações que a rodeiam. A cortiça é um tecido vegetal surpreendente, que protege a árvore do gelo do inverno e dos incêndios dos verões secos mediterrânicos. Os descortiçamentos, ou tiradas, são exercidos de forma manual e cuidadosa, para não causar dano ao sobreiro ou ao seu meio envolvente. A capacidade de regeneração da árvore é surpreendente, não sendo necessários químicos, herbicidas ou irrigação, para que em menos de uma década a casca volte a nascer e esteja pronta para ser recolhida.

O montado é em si o resultado da transformação da antiga floresta mediterrânica pelos seres humanos. que foram “abrindo” a floresta para explorar as áreas. * No montado decorrem inúmeras atividades de produção, “que partilham o mesmo espaço, produzindo uma grande diversidade de produtos, desde a cortiça ao gado, ao mel, às plantas aromáticas, aos cogumelos, à caça e outros produtos complementares como a madeira e o carvão”, escreve Andreia Martinez Madeira, na sua dissertação de Mestrado em Ecologia e Gestão Ambiental.

É um ecossistema vocacionado para a produção agro-pecuária e florestal, multifuncional e baseia-se numa forma de produção extensiva, que não é agressiva ao ambiente, se forem respeitradas regras de manutenção do equilíbrio nos subsistemas que o compõem, lemos no trabalho “Ecossistema Montado, Um modelo de Sustentabilidade“, de José Mira Potes.

Neste trabalho o autor refere que, a erosão é um processo de degradação da terra, com uma redução na produtividade biológica. Surge em resultado da erosão do solo e degradação da vegetação. A região mediterrânica é especialmente vulnerável à desertificação, por causa não só do clima e vulnerabilidade a incêndios como pelo uso não sustentável de recursos hídricos.

O sobreiro e o Montado, são elementos de combate à desertificação, “pela excelência dos serviços ambientais que presta[m] e em que se destaca a regulação do ciclo da água”. A região do Guadiana, é a região que menos capacidade tem de inflitração da precipitação, por ter uma reduzida área florestal. O “Montado contruibui para uma melhor retenção de água, ao facilitar a sua infiltração no solo e diminuindo as perdas por escoamento superficial contribuindo para regular o ciclo hidrológico”.

Compreender o ciclo hidrológico, um processo contínuo no qual “a água é purificada por evaporação e percolação, passando da superfície da terra e dos oceanos para a atmosfera e desta para a terra e para os oceanos” é importante, porque é nesse ciclo que se sustenta a vida do solo, das plantas e de todos os seres vivos. O melhor que podemos fazer para combater a seca é compreender e participar neste ciclo. “A acumulação da água no solo e no interior das rochas” reduz os riscos de erosão hídrica e regula os caudais dos rios. O escoamento subterrâneo “ocorre com grande lentidão, e continua a alimentar os cursos de água muito tempo após ter terminado a precipitação que o originou”.

Barroso: comunitarismo e simbioses

(O texto que se segue é uma transcrição mais ou menos livre do site da FAO, mas leia-se, tudo “entre aspas”)

A região do Barroso localiza-se no Norte de Portugal, numa área monhanhosa, e abrange os municípios de Boticas e Montalegre, com uma área de 1.127 km2 , onde vivem 15.589 pessoas.

O Barroso é uma região agrícola dominada pela produção animal e culturas regionais montanhosas como a batata e o centeio. Ocupada por humanos ao longo de milhares de anos, esta zona tem um padrão de ocupação do solo marcada pela agricultura, sivicultura e pastagem, havendo ainda áreas ambientais significativas e intactas. Nesta área existem múltiplas espécies vegetais e animais extremamente importantes para a conservação da natureza.

A produção animal é a base da economia agrária da região, dominada pela criação extensiva de gado para a carne. A grande parte das explorações agrícolas é orientada para a produção extensiva de ‘gado de corte’ (pecuária), principalmente bovinos, ainda que haja outros ruminantes importantes. Apesar dos problemas que esta produção possa causar [sim, o futuro será Vegan, ou não será], há uma forte componente de um sistema alimentar local, baseado em produtos e pratos locais, feitos com carnes defumadas de produção local, pão, batata, repolho e leguminosas.

A manutenção é assegurada pela pastagem extensiva, a que estão associadas práticas como o corte de mato para canteiros, fogueiras para renovação de pastagens arbustivas e corte de lenha para aquecer as habitações, e pela manutenção de pântanos, importantes para a economia pecuária. Também faz parte do sistema a apicultura.

A biodiversidade do Barroso observa-se nas ‘raças’ autóctones: as vacas Barrosã e Maronesa, a ovelha Churra do Minho, as cabras Serrana e Bravia, os porcos Bísara e os cavalos Garrana. Estes genótipos locais constituem um património cultural e biológico e um uso produtivo e sustentável das áreas e recursos marginais. A batata é cultuvada nas montanhas e vales, usando entre outras a “Batata de Trás os Montes”,

A ocupação humana marcou o território do Barroso e contribuiu para a manutenção dos habitats em diferentes níveis de sucessão ecológica, criando um complexo de diversas formações vegetais ricas em peculiaridades da flora. Os rebanhos domésticos são importantes na manutenção dos ecossistemas, porque o pastoreio agreste de ovinos e caprinos contribui diretamente para o controlo da vegetação arbustiva e herbácea, reduzindo o risco de incêndio, uma das principais ameaças à produção agro-florestal e à biodiversidade regional.

Os cultivos são principalmente de sequeiro. Um dos usos e formas de gestão da terra é o comunitarismo dos baldios. O baldio é um tipo de propriedade coletiva, gerida pelas comunidades locais, o que é muito típico das regiões montanhosas portuguesas. Esta prática de pastagem de gado de forma partilhada em que participam os vários donos de animais, baseia-se num conjunto de regras, que variam consoante a aldeia. Na vezeira (pastagem de gado partilhado), o gado é mantido nos terrenos comuns em rotação, sendo o número de dias de cada pastor calculado de acordo com o número de cabeças de gado que possui.

Além disso, um importante sistema de irrigação por gravidade foi desenvolvido nas colinas. A água concentrada nos cursos de água é desviada por meio de um pequeno açude ou represa para pequenos canais ao longo da encosta, respeitando grosso modo os contornos, de onde escoam para as pastagens permanentes de inverno, terminando noutro barranco localizado em altura inferior e retornando a água não infiltrada para o curso de água do qual foi originalmente captada.

No inverno, este processo permite controlar os efeitos do gelo na pastagem, já que a temperatura da água corrente está sempre acima de zero. Por meio dessa regulação térmica, é fomentado o desenvolvimento da vegetação, num momento em que esse crescimento teria sido bastante limitado pela baixa temperatura da atmosfera.

Do ponto de vista cultural, o povo do Barroso tem desenvolvido e mantido formas de organização social, práticas e rituais que o diferencia da maior parte das populações do país em termos de hábitos, linguagem e valores, face às condições enfrentadas, como o isolamento geográfico e os recursos naturais limitados que o levaram a desenvolver métodos de exploração e uso consistentes com a sua sustentabilidade.

O comunitarismo é um dos valores e costumes mais típicos do Barroso, intimamente associado às práticas rurais de convivência coletiva e à sua necessidade de adaptação ao meio ambiente. É uma forma de organização rural, ilustrada pela Vezeira, onde a pastagem do gado é partilhada pela comunidade num determinado território.

Todo o sistema produtivo e pastoril desenvolve-se a partir da aldeia, dentro de um padrão de crescimento em espiral: mais perto das casas estão as hortas, para a produção de alimentos para o consumo diário, e os pântanos para a produção de feno e pastagem de gado; mais afastados, estão os campos aráveis para cereais de inverno e colheitas de batata; por último, nas periferias da aldeia, os terrenos de montanha, geralmente terras comunitárias (baldios), são ocupados por matagais, camas para gado de corte e pastagens mais pobres para pastagem rústica ou ao ar livre de certos rebanhos.

Sistema Agro-Silvo-Pastoril da Região do Barroso, Património Agrícola Mundial pela FAO

A paisagem montanhosa está historicamente relacionada com sistemas agrícolas tradicionais, fortemente baseados na criação de gado e na produção de cereais. Daí surgiu um mosaico paisagístico no qual se entrelaçam pastagens ancestrais (pântanos e terrenos baldios), zonas agrícolas (campos de centeio e batata e hortas), matagais e florestas, e onde os animais (principalmente gado) são um elemento-chave na fluxo de materiais entre as componentes do sistema. Atualmente, este mosaico representa um bem fundamental, também ao nível da capacidade de promoção do turismo, nomeadamente turismo rural e natural, que desempenha um papel cada vez mais importante nas atividades da região.

Conclusão: A fénix renasce das cinzas!

Vemos que a seca é um problema estrutural como diz o senhor ministro. Mas vemos também o que o senhor ministro não vê, nomeadamente: que o sistema agro-industrial que ele e a corja reácionária que o alimentam é um sistema ultrapassado, ineficiente, que gasta grandes quantidades de água, para muito poucos resultados. Até hoje, com toda a despossessão que tem havido (alguém se lembra da Reforma Agrária?), com todos os fundos internacionais investidos, os únicos resultados que a monocultura, o regadio e a acricultura intensiva e industrial conseguiram foi aumentar dramáticamente o risco de desertificação, incêndios e ultimamente, agravam as secas causadas pelo caos climático, causado por este sistema de pescadinha de rabo na boca, que só propõe mais problemas como solução aos problemas.

O futuro, é ancestral. Os sistemas tradicionais agro-silvo-pastoris e a reflorestação dos bosques nativos são a verdadeira solução e caminho de futuro. Não só evitamos incêndios, como ajudamos o clima a auto-regular-se melhor, alimentamos mais gente, recuperamos biodiversidade e melhoramos os níveis de saúde e bem estar de todas as espécies. Aprender sobre e promover sistemas tradicionais de gestão, promovendo as tais formas de organização social, práticas e rituais ancestrais, é o melhor que podemos fazer, se queremos ter uma chance de sobreviver e de viver plenamente, no antropoceno.

A pior seca dos últimos 1200 anos. ©, .