Chocolate Bem Amado Mal Amado


O chocolate é um produto muito peculiar. Composto essencialmente de cacau, é rei e senhor das sobremesas. Contudo, longe dos nossos olhares, a principal matéria prima, o cacau, pode ter origem numa cadeia de abastecimento insustentável – produção, transporte, comercialização e consumo –  com enorme impacto humano, económico, ambiental e social.

Os maiores produtores mundiais de cacau, como a Costa do Marfim, Indonésia, Equador, Gana, Camarões e Brasil, são países que possuem florestas tropicais ricas em biodiversidade, e pertencem, na sua maioria, ao grupo dos países em desenvolvimento.

Não é difícil de perceber que, para haver sustentabilidade na cadeia, para além das questões ambientais, a justiça social não pode ser esquecida, pelo que  as populações que estão na base e que produzem o cacau em bruto devem receber um preço justo pelo seu trabalho.

Pese embora os muitos exemplos de produção sustentável, cada vez mais alargados e com enorme impacto local, em geral, a mais valia continua a incidir essencialmente sobre quem está no final da cadeia de produção – o fabricante do chocolate.

Das várias fases do processo de produção de chocolate, normalmente apenas o cultivo de cacau, a apanha, a fermentação e a secagem são feitas na região de origem. Os processos com mais valia no preço, como sejam a torrefação, o joeiramento, a moagem, o temperamento, o corte e o embalamento são normalmente feitos a milhares de quilómetros de distância nos países que o vão comercializar, como por exemplo a Europa e a Austrália, sem que haja uma significativa distribuição de riqueza no local que produz a matéria-prima.

A exploração dos recursos naturais necessários à produção do cacau é obtida à custa da sobre-exploração e destruição da floresta tropical, colocando em causa serviços de ecossistema fundamentais, nomeadamente para a regulação do clima global, ciclo da água e reserva de biodiversidade.

Em termos ambientais, podemos mencionar três impactos resultantes da sobre-exploração da floresta tropical:

  • desflorestação
  • destruição dos ecossistemas
  • aumento das emissões de carbono

A árvore do cacau (Theobroma cacao) é sensível à temperatura e à humidade. Precisa de temperaturas estáveis, humidade elevada, chuva abundante, solos ricos em azoto e de estar protegida do vento. O excesso de temperatura e a falta de humidade prejudicam a produção. Resumindo, a árvore do cacau prospera, sobretudo nos primeiros 3 anos de vida, na semi-sombra da floresta tropical, precisamente aquela que se tem destruído para implementar esta cultura.

Como todos sabemos, com a desflorestação, a temperatura aumenta, a precipitação diminui, os solos erodidos perdem a sua fertilidade pela ausência de deposição de folhas e deixa de haver sombra e proteção contra o vento, pelo que é um total contrassenso, cortar a floresta onde a árvore do cacau, idealmente, prospera.

É essa a razão pela qual grande parte dos projetos de produção de cacau sustentável aposta numa exploração agroflorestal de baixa intensidade, que permite uma maior qualidade do produto final e uma maior produção por árvore, sem danificar o ecossistema da floresta tropical onde está implantada.

Felizmente, a indústria já se apercebeu disso e tem, nos últimos anos, feito alguns esforços para salvaguardar a matéria-prima base da sua atividade económica. É necessário escalar rapidamente para todos os locais de produção, porque considerando as perspectivas de evolução do clima atual,  só resta uma opção: a par da mitigação que já começa a ser implementada, é fundamental apostar no sentido de reduzir a desflorestação e intervir na reflorestação, agindo em sentido inverso ao que vem sendo feito nas últimas décadas.

Mas pode o chocolate ser sustentável?

Sim, o chocolate pode ser sustentável. Mas para que seja uma realidade, para além de ser necessário dar atenção ao cacau, existem muitos outros ingredientes que podem e devem ser sustentáveis. Quatro exemplos:

  • O leite de vaca tem uma enorme pegada, sendo a criação de gado responsável por uma elevada emissão de metano, um importante Gás de Efeito de Estufa;
  • A produção de açúcar é responsável pela perda de biodiversidade e por promover trabalho infantil;
  • A baunilha está também ela associada a fenómenos de a desflorestação,  trabalho infantil e perda de biodiversidade;
  • E a soja é um importante impulsionador de desflorestação, perda de biodiversidade e uso intensivo de químicos na agricultura.

 

Iniciativas como por exemplo,  a RainForest Alliance, Fair Trade and Fair Trade International, Organic, World Cocoa Foundation e Cocoa and Forest Initiative  tentam de alguma maneira colmatar a distância entre o que sempre foi e o que deveria ser o comércio do cacau e do chocolate.

A recente legislação aprovada na União Europeia de combate à desflorestação é inovadora a nível mundial, e vai, sem sombra de dúvidas, estabelecer a norma para o mercado agir e contribuir para colocar nas prateleiras do supermercado produtos livres de desflorestação.

Mas nós, como cidadãos ativos, podemos fazer a diferença.

O que podemos nós fazer? Muita coisa. Cada um de nós, isoladamente ou em conjunto, pode fazer a sua parte.

Como consumidor:

  • não desperdiçar. Hoje em dia desperdiçamos ⅓ de toda a comida produzida;
  • reduzir o consumo para níveis aceitáveis. Apesar dos flavonóides presentes no cacau serem bons para a saúde, não temos de comer chocolate todos os dias…
  • optar sempre que possível por cacau com marcação fair trade, orgânico ou rainforest alliance;
  • não oferecer sempre chocolate às crianças, ofereça fruta, seja criativo.

Como cidadão ativo:

  • comunicar com as marcas de chocolate, em particular com as grandes marcas, manifestando, enquanto cliente, o seu interesse na melhoria da sustentabilidade – um simples email pode fazer diferença;
  • comunicar aos seus representantes políticos, o seu interesse, enquanto cidadão, pela sustentabilidade de toda a cadeia de abastecimento;
  • comunicar com os seus fornecedores, supermercados e outros, reiterando a sua preferência por marcas que tenham marcações que representem o investimento na reflorestação, na diminuição do embalamento em plástico, na intervenção social, etc;
  • manter-se informado sobre as iniciativas de instituições ligadas ao ambiente, para saber mais sobre os temas ligados ao cacau;
  • não se deixar enganar por greenwashing, peça informações detalhadas sobre as iniciativas publicitadas.

Como ativista:

  • contactar com a sua associação ambiental de preferência e fazer voluntariado no seu tema de eleição;
  • acompanhar o tema na comunicação social, nas redes, nas publicações internacionais;
  • aceder aos websites das instituições europeias;
  • seguir o trabalho das instituições que fazem trabalho nos países de origem do cacau;
  • levar o tema aos fóruns de discussão.

 

Artigo escrito por Ana Serrão.

SABIA QUE:

Sabia que segundo a Water Footprint Network, são precisos 17.196 litros de água para produzir 1 Kg de chocolate?

Water Footprint Network – Water Footprint Network

Sabia que pode encontrar as empresas mais sustentáveis na Chocolat Scorecard? Com base em critérios como a Rastreabilidade e Transparência,  Rendimento Mínimo de Subsistência, Trabalho Infantil ou Forçado, Desflorestação e Clima, Sistema Agroflorestal e Gestão de Agroquímicos, é atribuída uma classificação que nos permitirá fazer escolhas informadas na compra dos nossos chocolates.

The Chocolate Scorecard

 

Referências:

Characterization of cocoa production, income diversification and shade tree management along a climate gradient in Ghana | PLOS ONE

EPRS_STU(2020)654174_EN.pdf (europa.eu)

How the world’s best chocolate is getting even better (nationalgeographic.com)

Chocolate Companies Ranked by Sustainabilty | Time

 

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