Tudo do Amor de bell hooks


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“Temos de descobrir por conta própria que o amor é uma força tão real quanto a gravidade, e que ser sustentados pelo amor todos os dias, a cada hora, a cada minuto, não é fantasioso – deve ser o nosso estado natural.” (p.192)

All about love (1999), obra popular de bell hooks, chega finalmente ao mercado editorial português. Com a chancela da Orfeu Negro, tradução de Stephanie Borges e conceção gráfica de Rui Silva, este pequeno livro – apenas em dimensão –  convida-nos a emergir numa leitura profunda e arrebatadora sobre o significado do amor nas atuais sociedades hodiernas. 

Afinal, o que é o amor? Como o definimos? Como o comunicamos? Será este um sentimento atribuído ao feminino? A sua procura, representará carência e/ou fragilidade emocional? O que nos impede de chegar até ele? De o partilhar? Bem, estas são apenas algumas questões que podemos encontrar em Tudo do Amor e que bell hooks se empenha a responder. Através das suas experiências pessoais, dos seus princípios e ensinamentos feministas, do seu entusiasmo e grandiosidade escrita, desbrava uma multiplicidade de caminhos para que percebamos a expressão universal do amor e seu estímulo político para uma sociedade mais justa, livre e cooperante. Ou seja, encarar a prática do amor como forma radical de transformar o mundo.

Em 13 capítulos distintos sobre o caminho para o amor, bell hooks, começa por apontar a importância da clareza e definição do conceito que, por sinal, revela ser  problemática. O problema em si, segundo a autora, mostra residir na ausência de debate público e políticas públicas relativas à prática do amor assim como da presunção que o amor não pode ser definido se não em termos românticos. Este facto, aponta não só o desconhecimento cultural sobre a abundância e diversidade de formas de amar como, impedindo o estímulo ao amor próprio, a auto-estima, o conhecimento pessoal e sentido de pertença à comunidade, permite fundir o amor a situações de abuso de poder e negligencia emocional.

O patriarcado, como qualquer sistema de dominação, tem de controlar socialmente as pessoas de modo que estas acreditem que há um lado superior e outro inferior em todas as relações humanas, que uma pessoa é forte e a outra, fraca, e, por conseguinte, que é natural que o poderoso domine aquele que não tem poder.” (P.131)

O apelo à aprendizagem do e para o amor, em diferentes contextos de vida, pessoal e social, é talvez a mensagem mais premente que possamos encontrar ao longo do livro. Primeiramente para prevenir situações de abuso e negligência que anulam o amor, tais como a suposição de que o amor pode estar presente numa situação em que um grupo ou indivíduo domina outro, como a que os homens podem dominar as mulheres e as crianças e ainda assim serem amorosos, levando à sucessão de relacionamentos disfuncionais. Ou ainda, da normalização da mentira como forma de dissimulação de medos e inseguranças que nos afastam da honestidade e auto-conhecimento emocional. Um exemplo concreto é o da educação patriarcal dos rapazes em que se lhes ensina que não devem chorar nem expressar tristeza, solidão ou dor, que devem ser duros, aprendendo a disfarçar os seus verdadeiros sentimentos para afirmar as suas masculinidades. Dissimulação que não só obriga os jovens a abandonar o desejo de amar como leva à depressão, a perda de auto-conhecimento e amor-próprio ao longo da vida.

Outro aspecto intrigante apontado ao desconhecimento cultural da prática do amor tem a ver com o desejo das pessoas em encontrar a pessoa amada, mas, na verdade, serem incapazes de abrir o coração e entregarem-se por completo a esse amor. A falta de compromisso, a fuga da dor nos relacionamentos, o individualismo, narcisismo, o desprezo pelo sentido de comunidade, levam a que muitas das vezes mais facilmente escolhamos cortar laços do que assumir o compromisso em trabalhar e confiar no amor, impossibilitando-nos de conhecer a totalidade do prazer e da prática transformadora de amar. 

“A dominação não pode existir em qualquer situação social em que prevaleça uma ética amorosa. Quando o amor está presente, o desejo de exercer poder e dominar não pode ser a ordem do dia. Se todas as políticas públicas fossem criadas no espírito do amor, não teríamos de estar preocupados com o desemprego, os sem-abrigo, o fracasso das escolas ou os vícios.  Se uma ética amorosa influenciasse todas as políticas públicas nas metrópoles e nas cidades, os indivíduos convergiriam e criariam programas em prol de todos.” (P.133)

A feminista recorda-nos que é através do amor que descobrimos quem verdadeiramente somos, que ao aprender a amar aprendemos a mudança e que só com a mudança nos permitimos crescer, encarar o medo, a morte e escolher a vida. Para isso, procurar a vida espiritual pode ajudar a acordar-nos para o amor, a desapegarmo-nos da obsessão pelo poder e pelo domínio, em viver com simplicidade, dizer a verdade, encarar o medo colectivo do amor e criar uma ética amorosa que permita que todos tenham o direito de ser livres, de viver bem e plenamente. A instrumentalização política dos princípios de uma ética amorosa (do cuidado, respeito, conhecimento, integridade e vontade de cooperar) mostra ser determinante não só para que o amor se torne um fenómeno social como possibilitaria mudanças radicais na nossa estrutura social colocando fim à dominação e opressão.

Tudo do Amor traz-nos aceno de esperança e alegria sobre o poder transformador do amor. Abre-nos o caminho para sabermos o que temos de fazer para amar e nos identificarmos enquanto comunidade. Recorda-nos que o nosso verdadeiro destino não é senão mais que amar.

 

Editor: Orfeu Negro

Ano: 2023 

Tradução: Stephanie Borges

280 páginas

ISBN 9789899071759

PVP: 16,20€

 

Daniel Santos Morais é mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra. Feminista, LGBTQIA+, activista pelos Direitos Humanos. Partilha a sua vida entre Coimbra e Viseu. É administrador do site Leituras Queer.