Abílio Gonçalves: o último sobrevivente anarco-sindicalista do Campo de concentração do Tarrafal, em Portugal, morreu a 20 de janeiro de 2004


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(foto publicada na revista Utopia, 17)

Com a morte de Abílio Gonçalves (1911-2004), antigo amassador de pão, resistente anarquista ao fascismo,  desaparecia, em Portugal, o último sobrevivente anarco-sindicalista do Campo de concentração do Tarrafal.  Vivo permanecia ainda Manuel Firmo, também antigo preso anarco-sindicalista do Tarrafal, mas a viver há longos anos em Barcelona. Morreu um ano mais tarde, em Janeiro de 2005, com 95 anos.

Abilio Gonçalves foi preso no próprio dia 18 de janeiro de 1934, em Lisboa, sendo desterrado para o Campo do Tarrafal logo na primeira leva de presos, tendo estado ali detido durante 10 anos (1936-1946),  sujeito aos piores maus tratos.

Nos anos a seguir ao 25 de Abril de 1974, Abílio Gonçalves explorou um pequeno restaurante em Pinheiro de Loures, juntando à sua volta um grupo de jovens muito activo, de raíz operária e estudantil.

Colaborou também no reaparecimento de A Batalha e a sua presença na sede da Angelina Vidal era frequente. O jornal A Batalha, nº 203, traçava deste modo o retrato do companheiro desaparecido:

“Na madrugada de terça feira, 20 de Janeiro próximo passado (2004), faleceu na sua residência em Pinheiro de Loures, aos 92 anos, o companheiro Abílio Gonçalves. Nos últimos meses a sua precária saúde obrigara a sucessivos internamentos hospitalares. Abílio Gonçalves nasceu no lugar de Vinhó, próximo de Coja, concelho de Arganil, em 16 de Outubro de 1911. Era filho de José Gonçalves e Guilhermina de Jesus. Dificuldades económicas familiares apenas lhe permitiram frequentar por pouco tempo a instrução primária, lançando-o precocemente no mundo do trabalho. Após alguns anos nas fainas agro-pastoris veio para Lisboa onde foi marçano, aprendendo em seguida o ofício de padeiro (amassador). Casou e teve uma filha.

Filiado na Associação de Classe dos Manipuladores de Pão frequentou na respectiva escola sindical o ensino elementar. Foi eleito secretário da Mesa da Assembleia Geral e, mais tarde, membro da Comissão Administrativa do sindicato. Foi nesta qualidade que participou activamente na organização da greve geral de 18 de Janeiro de 1934 contra a fascização dos sindicatos. Estava então empregado numa padaria da Rua D. Pedro V.

Denunciado por um colega de trabalho que era informador da polícia política, foi preso naquele mesmo dia 18 após o fracasso do movimento. Seguiram-se os interrogatórios e espancamentos policiais, a transferência para o Presídio Militar da Trafaria e o julgamento em Tribunal Militar com condenação a 10 anos de prisão e degredo. A 8 de Setembro de 1934 é enviado a bordo do «Lima» para o forte de S. João Baptista, em Angra do Heroísmo, aonde aportou ao cabo de 5 dias de viagem. Em Angra foi, como os outros, sujeito a frequentes espancamentos e a encerramento de castigo na poterna. Permaneceu nesta fortaleza até 23 de Outubro de 1936, data em que foram embarcados no vapor «Luanda» com destino ao campo de concentração do Tarrafal (Cabo Verde). Aí sofreu todas as agruras do campo, nomeadamente a inclusão na «brigada brava» e demoradas estadias na célebre “frigideira”. Assistiu impotente à doença e morte, sem assistência médica, de vários companheiros, entre os quais Pedro Matos Filipe, Arnaldo Simões Januário, Mário Castelhano, Abílio Augusto Belchior, Joaquim Montes, Manuel Augusto da Costa, etc.

Abrangido pelo decreto de amnistia de Outubro de 1945, regressou à metrópole em 1 de Fevereiro de 1946, a bordo do paquete «Guiné», sendo posto em liberdade. Atravessou dificuldades consideráveis para arranjar trabalho, nasceu nessa época o seu segundo filho e algum tempo depois foi para Moçambique, onde se lhe juntariam os filhos. Alguns anos depois foi para a Suazilãndia. Regressou a Portugal algum tempo depois do 25 de Abril, tendo montado um pequeno restaurante em Pinheiro de Loures. Suspendeu a sua actividade há cerca de dez anos.Sócio do Centro de Estudos Libertários, foi presidente do seu Conselho Fiscal (1987) e membro da sua Comissão Administrativa (1988 e 1989). Foi igualmente assinante e colaborador do jornal A Batalha. Com a sua morte desaparece, em Portugal, o último sobrevivente anarco-sindicalista do Campo de concentração do Tarrafal. No funeral estiveram presentes familiares, amigos, dois sobreviventes do Tarrafal, o CEL / A Batalha e outros companheiros libertários.”

A morte de Abilio Gonçaves foi também registada nas páginas da revista Utopia. por José Maria Carvalho Ferreira.

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