À volta do 25 de Abril


Que dias!

No sábado, 22 de Abril, às 15h30, inaugurámos uma nova exposição de pintura e desenho de Mário Dionísio: «Pintarei, pintarei, queiram ou não». Nas paredes da zona pública da Casa da Achada estão agora quadros e desenhos de Mário Dionísio dos anos 40 aos anos 90 do século XX. Uma pequena imagem de um longo percurso de pintura de um homem que por ela se apaixonou e dela fez uma actividade incessante de pesquisa de cores e formas, desde os primeiros quadros figurativos até à espantosa produção abstracta que começou com uma «visita inesperada» (assim se chama o seu primeiro quadro abstracto, de 1963, que também está exposto). Diana Dionísio apresentou a exposição, sublinhando a forma como ela é feita na Achada, a muitas mãos e com rigor, mas longe das lógicas expositivas institucionais (assentes na especialização, na hierarquização do trabalho, no marketing, etc.) e Inês Nogueira leu textos e poemas do poeta-pintor, muito a propósito.

Na mesma tarde de dia 22 foi lançado o 4.º volume de Passageiro Clandestino, o diário de Mário Dionísio até agora inédito. Fruto de um trabalho monumental de Eduarda Dionísio, a edição é acompanhada de livros de notas (neste volume são dois!) que permitem contextualizar e perceber melhor tudo o que ali se conta e se pensa (pessoas, lugares, acontecimentos). Este volume vai de 1974 a 1980, sendo um documento valioso para perceber o processo revolucionário português e aquilo que se lhe seguiu. Encheu-se a sala de gente para falar deste volume, com intervenções de umas 17 pessoas que tinham lido e que escolheram uma “entrada” do diário para a ler e comentar. Interessante encontro em que a variedade de temas (política, arte, educação, RTP – onde Mário Dionísio foi, por um tempo, director de programas, para além de questões mais íntimas e dilemas “existenciais” que também se podem encontrar neste riquíssimo diário). Foram duas horas de conversa, com intervenções variadas, por vezes discordantes e questões muito pertinentes de muitos, tivessem ou não lido já este volume IV.

No dia 23 de Abril houve no pátio interior da Casa uma animada oficina para miúdos e graúdos. Vieram 25 pessoas fazer faixas e cartazes com versos de canções. José Smith Vargas, que orientou a oficina, trouxe até um gira-discos e LPs para irmos escutando música e escolhendo os versos mais adequados às lutas que aí estão e aos combates por vir. Voaram tintas, lápis e marcadores por papéis, cartolinas e tecidos. E deixaram marcas que nos lembram que, como diz o Zeca Afonso na sua canção «Papuça», «a revolução é pra já». Assim se chamava a oficina, aliás. Muitos cartazes ficaram à espera de ser levados à manifestação do 25 de Abril. E foram mesmo.

No dia 24 estivemos das 16h até para lá da meia noite no Arraial do Carmo, no Largo do Carmo, ali na outra colina. Montámos banca e estivemos a apregoar livros e autocolantes, a mostrar e a vender t-shirts e textos e postais da Casa da Achada – Centro Mário Dionísio. E ainda vendemos alguns. O mais interessante, para além da música que se podia ouvir, foi falar com tanta gente que por ali passou, de todas as idades e feitios e medidas. E também se cantou, pois claro.

No dia 25 já não é surpresa a multidão de gente que vai ao fim da tarde ter à Casa da Achada para conviver, conversar, beber um copito, comer um salgado.

E que também pôde ouvir às 18h um texto de Regina Guimarães, lido por João Rodrigues e F. Pedro Oliveira. Pusemos uma vinte cadeiras, mas de repente estavam umas cinquenta pessoas. Toca a puxar mais cadeiras e mesmo assim estava gente em pé.

Depois, lá fora, com uma multidão que pôs o Largo da Achada cheio que nem um ovo, foi difícil arranjar espaço para as pessoas que fizeram a Kantata do Tecto Incerto mostrarem um excerto do espectáculo, a propósito do lançamento de um CD com a Kantata cantada na íntegra (que acompanha o libreto) ali mesmo no Largo da Achada (já passou quase um ano!).

Ainda vieram depois o coro e o grupo de teatro comunitário da Casa da Achada com leituras e canções. E ainda surgiu a inevitável «Grândola, vila morena» cantada por toda a gente que enchia («nunca vi aqui tanta gente assim», ouvia-se dizer), enchia mesmo o Largo e as escadas por aí abaixo, por ali a cima.

Houve quem fosse espreitar a exposição ou ler um bocadinho do «25 de Abril ao ar livre», a exposição sobre o 25 de Abril que estava em versão “pobre”, em papel, no Largo, mostrando um pouco de tudo o que mudou depois do 25 de Abril. Mudou tudo, mas está tudo por mudar.