«As vozes da Comuna de Paris» | Elisée Reclus


Autor: Elisée Reclus

Data: 1890 – 1910

Tradução: Lea

Fonte: Abidor Mitchell, (2015) Voices of The Paris Commune

O meu papel durante a Comuna foi inexistente. Encontrei-me entre a multidão anónima de combatentes e derrotados. Um simples Guarda Nacional durante os primeiros dias da luta e depois, após 5 de Abril, durante um ano, prisioneiro nas prisões de Satory, Trébéron, Brest, St-Germain, Versailles e Paris, só posso formular uma opinião sobre a Comuna a partir de boatos e do subsequente estudo de documentos e testemunhas.

Nos primeiros anos que se seguiram, pareceu-me que todos aqueles que participaram no movimento estavam unidos devido à repressão e ao ultraje sofrido em comum. Na altura, não me teria permitido julgar homens que, na minha opinião, não eram dignos da causa que defendiam. No entanto, uma vez que as histórias começam a ser escritas, devido à recolha de informação. Posso assim afirmar que durante os primeiros dias da Comuna a organização militar foi tão grotesca e inútil como foi durante o primeiro cerco sob a liderança do piedoso Trochu. As proclamações foram tão bombásticas, a desordem tão grande e as ações tão ridículas.

Poderemos confirmar isto a partir de um simples facto: o General Duval, estando no planalto de Chatillon com dois mil homens sem alimentos e munições, e rodeado pela crescente multidão de Versaillais, pedira reforços. Fizemos um apelo às armas no nosso ‘arrondissement’ perto do Panteão, e por volta das 5:00 cerca de seiscentos homens estavam reunidos na praça. Cheios de ardor, queríamos marchar imediatamente para a luta com outros militares enviados pelos bairros do sul de Paris. No entanto, estando o movimento em não conformidade com os precedentes militares, fomos conduzidos à Praça Vendôme onde, privados de qualquer comida ou equipamento, durante mais de metade da noite não tivemos outro conforto a não ser ouvir os brilhantes oficiais do novo estado-maior dizerem de dentro do ministério: “Bebamos, bebamos à independência do mundo!”

Às 2:00 da manhã uma ordem do general fez com que a nossa tropa, já largamente diminuída pela deserção, deixasse o abrigo precário da Place Vendôme, sendo levados para a Place de la Concorde, onde tentámos dormir sobre as pedras até às 6:00 da manhã. Foi então que fomos levados para Chatillon, os nossos ossos débeis por este primeiro bivaque e sem qualquer alimento. Durante a marcha, a nossa pequena banda continuou a desertar, e embora tivéssemos começado com seiscentos na nossa partida, apenas cinquenta chegaram ao planalto meia hora antes das tropas de Versaillais, fingindo ir pela revolução e sendo ajudados a subir às muralhas para gritar: “Somos irmãos! Abracemo-nos! Vive la République!” Fomos feitos prisioneiros, e todos aqueles reconhecidos pelo seu uniforme como soldados foram executados perto da cerca do castelo vizinho.

De acordo com o que os meus companheiros disseram-me, tenho todas as razões para acreditar que noutros atos de guerra os nossos galantes generais – pelo menos aqueles que comandaram as primeiras lutas, demonstraram a mesma falta de inteligência e a mesma negligência. Talvez o governo da Comuna tivesse mais capacidades noutras áreas; em qualquer caso, a história dirá que estes ministros improvisados permaneceram honestos no exercício do seu poder. Pedimos-lhes que tivessem o bom senso e a determinação que a situação exigia e que agissem em consequência. Foi com verdadeiro amargura que os vimos fazer os mesmos erros dos governos oficiais: manter todo o sistema de governo estatal mudando apenas os homens; manter toda a burocracia; permitir que os agentes fiscais funcionassem nas suas devidas posições e proteger o dinheiro que o Banco de França enviou para Versalhes. A cobiça do poder e o espírito da rotina monotóna tinham-se apoderado, e estes homens, que deveriam ter agido heroicamente e saber morrer, tiveram a inconcebível vergonhosa ingenuidade de dirigir notas diplomáticas às grandes potências, num estilo que Metternich e Talleyrand teriam ficado orgulhosos. Não compreenderam nada do movimento revolucionário que os levou às portas do Hôtel de Ville.
Mas o que os generais não sabiam fazer, a multidão sem nome fazia. Muitos deles, trinta a quarenta mil talvez, que morreram em Paris pela causa que amavam. Muitos outros na cidade, caíram diante das metralhadoras, gritando “Vive la Commune”! Sabemos desde os primeiros dias da Assembleia em Versalhes que este massacrou o povo pela sua atitude e que salvou a forma republicana do governo francês. No entanto, a atual república, um servo ao serviço do Czar e do Kaiser, está tão longe de qualquer prática de liberdade que seria infantil estar grato à Comuna por salvar esta palavra vã. No entanto, o seu símbolo fizera algo mais. Temos perante nós um futuro, não para os governantes, mas para os seus defensores, um ideal muito superior ao de todas as revoluções que a precederam. Compromete a todos aqueles que querem continuar na luta, em França ou em todo o mundo – por uma nova sociedade na qual não haverá senhores por nascença, títulos ou dinheiro, nem servos por origem, casta, ou salário. Por toda a parte a palavra “Comuna” foi entendida no sentido mais amplo, como tendo a ver com uma nova humanidade, constituída de companheiros livres e iguais, ignorando a existência de fronteiras antigas, e ajudando-se mutuamente em paz de um extremo ao outro do mundo.