O poeta José Pedro Leite foi a figura do ROMP 23, realizado no passado dia 30 de junho. Com 42 anos, natural do Porto, José Pedro Leite é licenciado em Direito pela Universidade Católica Portuguesa. Poeta, tradutor, dedica-se também a ministrar cursos de oficina de escrita no âmbito da poesia. Tem publicados 11 livros, todos de poesia: “Outros litorais” (2008); “As mãos e o lume” (2009), vencedor do Prémio Políbio Gomes dos Santos; “Respiração vertical” (2011), menção honrosa no Prémio Irene Lisboa, em 2013; “M” (2013); “O conhecimento dos vulcões” (2015); “A invenção do verão” (2019); “A construção dos lábios” (2020) e “Escarpas” (2021).
Em 2021, foi galardoado com o prémio literário Natália Correia, com a obra “Ascensor de Sombras”.
Editou em 2022 “Onde morrem os barcos” e “Manual de relentos” (2023).
20
Sempre
uma mulher cantará nos pátios todos do dia
uma
canção sobreviva e ubérrima
e
nasce aqui uma era / um espinho-tempo ao qual já eu não pertenço
e
estarei longe
rachando
flores e sinos e outros fogos
escrevendo-lhe
ainda a rubra fotografia das tábuas de Agosto
enquanto
incansável
ela
baterá desfeita em luz a roupa na pedra antiga
(e
esse som tange liras ardentes no ar do poema)
e
correrá uma vez e outra
do
tanque à corda onde pendura a rotação do mundo
degolará
a galinha / os sacrifícios magníficos
falsificará
o passado como um arco
porá
ao lume os tachos e o seu cálido coração imperecível
lavará
a louça
acolherá
depois o sono da criança em febre
e
montará a noite num meteorito de prata
e
sempre terá / fertilizado fruto
multiplicadas
as mãos sobre o sangue
e
grácil o navio do corpo
e
poderosas as ancas
e
em leite as facas / a gesta dos incêndios
e
plenas de candeias as urzes dos lábios
Jamais
partirá
porque
há-de brilhar-lhe nos olhos o fundo do mar e dos turíbulos
o
fôlego e o prodígio das paisagens
e
cantará / cantará ainda pelo tempo fora
a
mística melopeia dos sargaços
José
Pedro Leite