Peoples’ Forum for Climate Justice and Financial Regulation | Basel, Suíça


Entre os dias 22 e 25 de junho, estivemos no Peoples’ Forum for Climate Justice and Financial Regulation em Basel, na Suíça. Organizado por Fridays For Future Europe, Collectif BreakFree Suisse, Klima Allianz Schweiz, Campax, Fossil-Free Schweiz, Change Finance, e a Global Coalition of Peoples’ Facing Extractivism com um painel de representantes de movimentos, pessoas diretamente afetadas e comunidades indígenas do Sul Global, vindas da Argentina, Colômbia, México, Perú, Senegal, Uganda, Índia, Canadá, África do Sul, e Filipinas. Estiveram presentes entre 120 a 150 pessoas, vindas de toda a Europa, e não só.

O propósito deste fórum foi unir esforços retirar o financiamento à indústria fóssil. Os alvos principais são a União Europeia, o Bank for International Settlements (BIS), bancos centrais (no caso português, o Banco de Portugal) e autoridades de regulação financeira (CMVM e ASF, em Portugal).

Para isso, houve partilha de experiências das lutas anti-extrativistas, ambientais e laborais no Sul, e de conhecimento sobre democratização da energia e o sistema financeiro. O objetivo é parar o fluxo de fundos de projetos a larga escala de combustíveis fósseis geradores de etnocídios, ecocídios, e catástrofes climáticas. A regulamentação financeira será um primeiro passo para acabar com este financiamento, sendo a meta tornar o preço dos combustíveis tão alto que torna inviável o seu uso. É difícil trazer ativistas para este tópico e, por isso, há que desmitificar a complexidade do sistema financeiro; é feito para parecer complexo propositadamente: se as pessoas entendessem finanças, haveria uma revolução amanhã.

Esteban Servat, da Argentina, representa o movimento Debt for Climate, que exige o cancelamento imediato das dívidas financeiras ilegítimas do Sul Global. Diz “Nós somos os assistentes da mudança necessária (se quiserem, revolução), mas os protagonistas são os trabalhadores, as mulheres, os indígenas” e fala da dívida como um alvo comum – “é fácil mobilizar muitas pessoas globalmente. A dívida é o denominador comum ao neocolonialismo, uma continuação direta do colonialismo espanhol e português, e afeta diretamente o trabalhador.” O cancelamento da dívida é o primeiro passo estratégico para a transição justa, e tem de ser incondicional. É o Norte Global quem deve ao Sul uma dívida histórica e ecológica. “Não são as NGOs nem políticos que vão fazer a mudança, temos de criar poder na rua”. Os alvos principais das ações da Debt for Climate são o FMI e os ministérios das finanças, que representam cada país no FMI.

Da Catalunha, a Aliança Contra La Pobresa Energètica é um movimento formado por pessoas afetadas e ativistas, criado depois de em 2013 mais de 1 Milhão de pessoas terem a sua eletricidade cortada, resultado da privatização da energia e da água. Este movimento exige responsabilidades diretamente às empresas energéticas. As estratégias passaram por ações diretas a ocupar as sedes dessas grandes empresas, e uma proposta de Lei que proíbe os cortes de energia a famílias vulneráveis e fazer um desconto (bónus). O propósito é a mudança de paradigma: se é necessário comprovar, antes de cortar a energia, que estão em situação de vulnerabilidade, então a questão passa a ser “porque não conseguem pagar?”. Obtiveram uma vitória histórica, em que a Endesa assumiu 35 milhões de euros, mias de 70% da dívida, de milhares de famílias. As reivindicações são neste momento para toda a Espanha: 1) impedir cortes permanentemente; 2) tarifa social progressiva, em função dos rendimentos; 3) dívidas assumidas pelas grandes empresas. A meta é mudar o sistema energético para um modelo público ou comunitário, sendo a energia considerada um bem comum.

 

 

No dia 24, sábado, houve uma marcha, o “Peoples’ Parade”, protesto que acabou em frente à sede do BIS (com banner-drops), passando pelo Credite Suisse. O BIS é a instituição financeira mais antiga do mundo, fundada a seguir à 1ª Guerra Mundial para garantir que a Alemanha pagasse por ter perdido a guerra, e funciona como o grande mediador destes financiamentos e quem decide as diretivas dos bancos centrais e instituições financeiras a nível mundial. Essencialmente, é quem promove a cooperação entre os bancos principais, sendo o “banco central dos bancos centrais”. Foi escolhida esta data porque no dia seguinte, 25 de junho, 63 bancos centrais de todo o mundo iriam reunir para discutir essas mesmas regras. Sendo que o BIS já declarou os investimentos em crypto como alto-risco, tendo os bancos que fizerem esses investimentos de pagar pelas possíveis perdas, a exigência do protesto é que se faça o mesmo para os combustíveis fósseis, impedindo novos investimentos em projetos deste tipo.

Sergio Oceransky e Benoît Lallemand, ofereceram um workshop sobre as agências de rating (ou agências de notação financeira). Existem 4 principais (Moody’s, Fichte, Standard & Poors, DBRS), que têm imenso poder e funcionam como um quartel, não deixam novas entrar. O que fazem essencialmente é gestão de risco: dão rating a países, empresas e governos. Países em desenvolvimento têm menor rating, logo têm de pagar mais (quanto mais rico for, mais barato para o sistema). Esta estratégia, por definição, alimenta a desigualdade, além de ser o topo mais rico da população que influencia esta avaliação, sendo por isso também, antidemocrático. A avaliação de risco terá de ser feita de outra forma; deve ser feita pelas comunidades que vão ser afetadas. Quando se avalia o risco sistémico relacionado com alterações climáticas, está-se a avaliar o risco do clima nos investimentos, e não o risco dos investimentos no clima. Este problema afeta muito mais do que clima, como habitação, crise custo de vida, dívida. O objetivo é organizar, criando-se uma campanha grassrooted nos movimentos e um lobby técnico que pode dar formações, treinos e webinars aos movimentos e coletivos sobre conhecimentos mais técnicos, para desenvolver uma estratégia comum com o objetivo de acabar com as agências de rating, através de ações diretas e coordenação internacional.

 

No final do fórum, montou-se um manifesto comum, que está a ser redigido com as sugestões e correções feitas no último dia, por um grupo de voluntárias dos mais variados movimentos e origens. O objetivo será criar uma plataforma internacional para coordenar ações futuras conjuntas com o propósito de colocar pressão nas instituições financeiras (bancos centrais) e apoiar ativistas no Sul Global, fortalecendo a luta pelos direitos destas comunidades.

Adriana Guzmán, feminista indígena da Bolívia, diz: “É possível resistir, viver de outra forma, diferente do capitalismo. Os 500-200 anos de resistência destas comunidades e povos mostra-o. Não podemos colocar as nossas esperanças e sonhos em Estados. Estes servem o capital. São os povos que coletivamente fazem as verdadeiras transformações (ou revoluções, segundo a esquerda). A descolonização é essencial para acabar com o capitalismo. (…) Não se trata de salvar a natureza. É sobre parar de destruí-la. Fazemos parte dela.”