(Para um debate) Opiniões divergentes: A prostituição deve ser considerada um trabalho ou não?


O Movimento d@s trabalhador@as do sexo esteve ontem presente nas manifestações do 8 de março realizadas em Lisboa e no Porto

É um debate velho, também no movimento anarquista, e na esquerda em geral: deve-se considerar a prostituição como mais um trabalho, entre muitos outros existentes na sociedade e, como tal, objecto de melhorias, lutas e ganhos de natureza laboral?

É um debate que se tem actualizado nos últimos tempos com o aparecimento de colectivos de prostitutas e de movimentos de trabalhadores do sexo, em vários países, nomeadamente em Portugal e no Estado espanhol, aqui bem perto.

Estes movimentos reivindicam que a sua actividade, desde que resulte de uma escolha livre e autónoma, deve ser considerada trabalho e, como tal, ter todos os direitos inerentes a esse estatuto.

Do outro lado, o argumento é que a venda do corpo é degradante e que deve ser abolido e erradicado, criando melhores oportunidades para que as mulheres (ou homens ou trans) não tenham que recorrer a essa alternativa de subsistência.

Argumentos contra argumentos, a CNT espanhola, anarcosindicalista, recentemente, no seu XII Congresso, realizado em Dezembro,  aprovou uma moção orientadora segundo a qual, foi definida, como uma das metas da Confederação, a erradicação da prostituição que, no entender da CNT, não pode ser considerada um trabalho que possa ser melhorado.

“Existem três formas de subsistência historicamente marcadas pela questão de género: o casamento, o trabalho doméstico e a prostituição. Todos as três têm as suas raízes no patriarcado, nas mulheres entendidas como propriedade privada dos homens, tendo evoluído de maneiras diferentes devido a outros fatores, como a classe ou a etnia. Como feministas, é para nós clara a necessidade de abolir o casamento como modo de vida; entendemos também que as tarefas domésticas devem ser divididas entre os géneros e que os cuidados a prestar devem ser realizado em boas condições laborais. Embora possa haver nuances e controvérsia, nem as opiniões sobre o casamento, nem sobre o trabalho doméstico e os cuidados a prestar suscitam tanto debate ou confronto como a prostituição. 

Dissemos no início que há três formas de subsistência historicamente balizadas pelo género. Formas de subsistência em que a existência de salário nem sempre é clara, e que por isso não se sabe até que ponto podem ser ou não empregos. Em muitos casos, em vez de salário, ou como complemento, recebem, por exemplo, alimentação, alojamento, etc.        

A prostituição é um modo de vida que, desde o sindicato, se pretende erradicar. Não pode ser considerado um trabalho que pode ser melhorado.       

Como parte de uma estratégia feminista de classe da CNT, tomamos uma série de medidas sociais para facilitar essa transição:

– Como sindicato podemos exigir das instituições uma série de medidas sociais para acabar com esta situação. Por exemplo: 

Exigir que as instituições dedicadas à reintegração de mulheres vítimas de tráfico deixem de ser assistenciais, patriarcais e moralistas. Essas instituições são financiadas com dinheiro público. Precisam de mais fundos e melhor gestão. 

– É também essencial, tanto para quem saiu das redes de tráfico como para quem exerce a prostituição e dela pretende sair, fazer com que os empregos que lhes são oferecidos como alternativa tenham melhores condições, e que não sejam trabalhos sempre altamente feminizados. Um exemplo, é a alternativa que é proposta pelas instituições, nomeadamente os trabalhos assistenciais, como os cuidados domiciliários, cujas condições laborais são indignas. Promover melhores condições salariais nesses empregos e facilitar o acesso para as mulheres que querem sair da prostituição deve ser uma prioridade do sindicato. Exigimos do Ministério do Trabalho um plano de reinserção sócio-laboral à altura das necessidades, com facilidades, financiamento e oferta de trabalho digno. 

Quanto às mulheres que trabalham por conta própria, entendemos que elas são uma minoria e, portanto, não são o maior problema. As mulheres trans em situações mais precárias também são, em muitos casos, associadas a essa forma de exploração. Partimos sempre do diálogo e da escuta, mas em nenhum caso podemos apoiar medidas que favoreçam proxenetas e exploradores:  

– A prioridade é acabar com as condições que forçam muitas mulheres à prostituição e que também facilitam que outros as explorem ou escravizem. Neste último caso, é necessária a abolição da lei de imigração, essencial para acabar com a prostituição, visto que muitas mulheres aceitam entrar nas redes de tráfico para poderem migrar, apesar de não terem documentos e são obrigadas a viver da prostituição por não poderem aceder a outros trabalhos. Além disso, quer as mulheres pertençam a redes ou sejam autónomas, o facto de estarem em situação irregular serve de ameaça constante por parte das forças policiais.           

– Exigimos também a revogação da lei mordaça que facilita a criminalização das prostitutas que trabalham na rua.   

– Como anarcofeministas devemos contribuir para a não estigmatização das prostitutas, para acabarmos, na medida do possível, com o medo das denúncias originadas pelo estigma social. A luta contra o estigma começa ouvindo-nos uns aos outros.  

– Pensamos também que, mesmo nas melhores condições de trabalho, esta não deve ser uma forma de vida no actual sistema patriarcal, já que são principalmente os homens que consomem outros corpos, na sua maioria, de mulheres e meninas – as que se lhes oferecem.

– Neste sentido, não aceitamos que os clientes das putas sejam simples consumidores de mais um serviço. O consumo da prostituição baseia-se no poder e na propriedade dos homens sobre as mulheres. O pagamento de um serviço sexual implica entender o corpo do outro como um bem de consumo, como uma pessoa a que não temos que atender, com quem podemos pôr os nossos desejos em prática sem ter em atenção os dos outros. Supõe uma afirmação da masculinidade hegemónica, em que o desejo dos homens está no topo das relações, independentemente de quem o exerça o fazer voluntariamente ou não. ”